segunda-feira, 17 de julho de 2017

O Pênalti (Conto)





O PÊNALTI

Não sinto mais minhas pernas. O ar entra com tamanha dificuldade em meus pulmões, mas não posso desistir agora. Esse goleiro desgraçado pegou tudo e esse relógio está voando. O jogo está acabando, mas vai sobrar uma bola. Tem que sobrar! Tenho que fazer esse zagueiro desgraçado engolir esse riso irônico de quem me caçou o jogo inteiro e saiu ileso de cartão graças a esse juiz frouxo. Vai ter que sobrar!!!
Vou abrir pra esquerda. Vou tentar puxar esse zagueiro comigo. Abrir pra alguém chegar de trás e tabelar comigo. Vai ter que dar!!! Ele ri mas sei que também está cansado. Uma hora ele vai falhar e eu vou aproveitar. Ele vai me dar espaço.
Balão do goleiro. Sempre que pulei, ele me ganhou no corpo ou o juiz deu falta minha. Vou fingir e dar meia volta. Isso!!! Ele perdeu o tempo de bola!!1 Eu vou alcançar!!! O zagueiro da cobertura não vai me alcançar!!! Tenho que chegar antes do goleiro!!! Vou tocar para o lado e rolar para o gol vazio antes de...
Algo me atingiu. Ouço o apito estridente e a vibração ensandecida da torcida. É pênalti!!! O juiz marcou pênalti!!! Alguém me acertou por trás. Vi que o juiz levantou um cartão amarelo e acho que foi para o lateral direito deles. Eu sabia que daria certo!!! Uma tinha que sobrar!!! O médico entra correndo no campo pra me atender enquanto o outro time cerca o juiz pra reclamar da marcação. É desespero deles ou acham que eu simulei??? Só sei que essa dor no meu tornozelo é real.
“Tudo bem, garoto?” - o doutor esbaforido me pergunta. Balanço a cabeça positivamente, olhando pra todos os cantos e procurando a bola. O nosso capitão já está com ela embaixo do braço. Lentamente, vou em direção dele pedindo a gorduchinha. “Ninguém vai me tirar esse gostinho, capitão!”
Enquanto me aproximo da marca da cal, o goleiro vem catimbar. Usa o sorriso irônico me perguntando se vou bater no mesmo canto que da última vez. Ignoro, mais preocupado com a dor do meu tornozelo. Ele aponta o canto direito e grita que vai pegar de novo. Aos poucos, o som da arquibancada vai diminuindo e a vibração pela marcação do pênalti vai dando lugar a apreensão. Se eu errar, estamos fora do campeonato. Se eu errar, não haverá mais tempo pra buscar o resultado. Se eu errar, a torcida não me perdoará, de novo. E entre todos esses anseios, tento ignorar todo o tumulto e os jogadores do outro time gritando que vou errar, que sou amarelão, que vou entregar.
Me abaixo e coloco a bola na marca dos 11 metros. Dou uma ajeitada carinhosa nela, como se cochichasse ao seu ouvido pedindo pra ela me obedecer e não me decepcionar, com a intimidade de quem cresceu e a amou deste o primeiro instante. Mesmo a pelota parecendo ter uma tonelada. Não olho pra trás, onde os outros jogadores se encontram esperando um possível rebote. Apenas olho para o vazio da minha mente. Bato no canto direito, onde ele está apontando? Solto toda a minha fúria com uma bomba no meio do gol? Só sei que o tempo não passa enquanto esse juiz não apita...
Olho para arquibancada. Atrás do gol, vejo a multidão de torcedores de mãos dadas, em posição de reza ou com os olhos cobertos. E antes mesmo de correr em direção à bola, me transporto mentalmente ao quintal de casa na minha infância quando meu cachorro era um goleiro feroz e impiedoso. Aos duelos intermináveis de toda tarde após a escola no campinho de chão batido com meus amigos. E a toda felicidade que sempre senti ao bater na bola, ao dar um drible e ao fazer um gol. Me transporto a todo esse amor que transformou minha vida e de quem me acompanhou até esse momento. Até esse minuto. Até esse campo. Até esse pênalti.
O juiz apita. Sinto o silêncio do estádio em minha alma. Mentalmente, digo “foda-se!!!” e imagino que o goleiro irônico é meu cachorro. Bato de chapa, um pouco em baixo da bola, colocada, dando uma curva sutil pra ela ganhar elevação e encontrar as redes. É no canto direito que você quer goleirão? Que seja!!! Nesse momento, eu controlo meu destino. Eu me preparei pra esse momento. Eu desejei esse momento. Eu nasci pra esse momento. E por mais milagres que você tenha feito hoje, você não vai alcançar essa!!! E vejo a bola, em sua graciosa viagem, escapar dos dedos do goleiro e encontrar as redes... Gooooooooollll!!! Os brados ensurdecedores da arquibancada ecoam infinitamente!!! Não sei pra onde correr!!! Apenas olho pra arquibancada, enquanto meus companheiros me abraçam, gritam e pulam sobre mim. É o nosso momento de glória!!! É a vitória de todos nós!!!


Cristian Ribas 

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