quinta-feira, 10 de março de 2016

A Expulsão (Conto)





   Debaixo do chuveiro, o que mais desejava era o silêncio. Baixava a cabeça para que a água arrastasse tudo de ruim de sua alma e purificasse seu espírito. Ainda era capaz de ouvir os xingamentos e vaias. Um filme repetido ininterruptamente em sua mente, onde o final era sempre o mesmo. 
   Ele sabia da importância do jogo. Por tudo o que tinha feito até ali, por todo o suor derramado, pelo esforço incessante, pelas dores físicas, até pisar no gramado. Sempre teve o dom de esquecer os flagelos de sua sina até adentrar no tapete verde. Ali dentro, sob flashes fotográficos, aplausos e cânticos, microfones e câmeras, era o seu templo. Correr atrás do seu objeto de desejo, sua eterna amiga desde o berço, tratá-la com carinho e devoção, desafiar as leis da física e correr até que o ar lhe faltasse. Mas hoje, não era a sua noite.
   Ao vestir seu manto, deslizar-se lentamente pelo túnel, manter o olhar baixo e distante, carregar consigo um silêncio sepulcral em meio á gloriosa ovação inicial da plateia. Parecia arrastar suas pernas e carregar o mundo nas costas. O olhar não tinha o mesmo brilho. As passadas não tinham a mesma intensidade. Sua marcação não tinha a mesma energia. Mas, a bola, sua eterna namorada, parecia ser a única que o compreendia sem questionamentos. Ela chegava desequilibrada, quadrada, sem perspectivas, e no simples contato com ele, parecia encontrar a paz. Deslizando com precisão, voando com sutileza, passeando com graça e encontrando seu destino, sem receber a mesma atenção de outrem. E a tristeza, por presenciar isso, era nítida em seu olhar.
   O jogo, em sua ótica, sempre foi um reflexo da vida. Suas dúvidas, injustiças, percepções, redenções e desgraças. E a tolerância habitual, pela compreensão deste universo, o abandonara no vestiário. Principalmente, ao receber um chute por trás, sentir a dor absurda em seu tornozelo recém cicatrizado, o sorriso irônico do adversário e a negligência do árbitro. O anjo triste que pairava em seus ombros transmutou-se em um demônio de olhos vermelhos. Na jogada seguinte, ele viu a sua amada, a bola, vindo em sua direção, e o seu agressor, em intensa velocidade, vindo no lado contrário, para roubá-la. Em seu instinto, atrasou a passada, deixou o tempo correr vagarosamente entre os dois e, ao seu rival, deixou a sola de sua chuteira. O estádio, em silêncio, ouviu o estalo assustador da tíbia se partindo. E o demônio de olhos vermelhos voltou-se ao anjo triste, carregando em si, a dor do arrependimento pelo descontrole. Não ouvia nenhum xingamento e ameaça dos adversários. Não sentia nenhum empurrão da revolta. Colocou as mãos na cabeça antes mesmo de visualizar o cartão vermelho. O caminho até o vestiário nunca fora tão longo quanto aqueles metros. 
   A dor que povoava em seu peito havia se multiplicado. A separação, a mudança de cidade, os falsos amigos, as calúnias da imprensa, nada justificava a sua ação. E embaixo daquele chuveiro, tudo o que mais desejava, era o final daquela noite. Pois só um novo dia, seria capaz de fazê-lo renascer.

Cristian Ribas

terça-feira, 8 de março de 2016

Uma Nova Paisagem (poema)



Estou de passagem,
admirando uma nova paisagem
antes que amanhã
seja tarde.
Ando sem bagagem,
com a cara e a coragem,
entre asfalto e folhagens, 
sombras e miragens,
carregando minha bandeira.
Afinal, quem criou essa fronteira?
Prefiro ficar sem eira e nem beira,
plantando esperança
e abrindo porteiras,
do que esperar
o vento mudar
sua direção.
O que importa está aqui dentro, 
um coração sem ressentimentos,
intangível e em fragmentos,
consolidando o passatempo,
sem doses de receio,
desejando um alento.
Toque, sinta,
e perceba que a vida
é o caos necessário
pra evolução desordenada.
Então, acenda as asas
dessa fênix tatuada
e permita-se voar.
Não há como negar
onde o amor
deseja estar.

Cristian Ribas