O PÊNALTI
Não sinto mais minhas pernas. O
ar entra com tamanha dificuldade em meus pulmões, mas não posso desistir agora.
Esse goleiro desgraçado pegou tudo e esse relógio está voando. O jogo está
acabando, mas vai sobrar uma bola. Tem que sobrar! Tenho que fazer esse
zagueiro desgraçado engolir esse riso irônico de quem me caçou o jogo inteiro e
saiu ileso de cartão graças a esse juiz frouxo. Vai ter que sobrar!!!
Vou abrir pra esquerda. Vou
tentar puxar esse zagueiro comigo. Abrir pra alguém chegar de trás e tabelar
comigo. Vai ter que dar!!! Ele ri mas sei que também está cansado. Uma hora ele
vai falhar e eu vou aproveitar. Ele vai me dar espaço.
Balão do goleiro. Sempre que
pulei, ele me ganhou no corpo ou o juiz deu falta minha. Vou fingir e dar meia
volta. Isso!!! Ele perdeu o tempo de bola!!1 Eu vou alcançar!!! O zagueiro da
cobertura não vai me alcançar!!! Tenho que chegar antes do goleiro!!! Vou tocar
para o lado e rolar para o gol vazio antes de...
Algo me atingiu. Ouço o apito
estridente e a vibração ensandecida da torcida. É pênalti!!! O juiz marcou
pênalti!!! Alguém me acertou por trás. Vi que o juiz levantou um cartão amarelo
e acho que foi para o lateral direito deles. Eu sabia que daria certo!!! Uma
tinha que sobrar!!! O médico entra correndo no campo pra me atender enquanto o
outro time cerca o juiz pra reclamar da marcação. É desespero deles ou acham
que eu simulei??? Só sei que essa dor no meu tornozelo é real.
“Tudo bem, garoto?” - o doutor
esbaforido me pergunta. Balanço a cabeça positivamente, olhando pra todos os
cantos e procurando a bola. O nosso capitão já está com ela embaixo do braço.
Lentamente, vou em direção dele pedindo a gorduchinha. “Ninguém vai me tirar
esse gostinho, capitão!”
Enquanto me aproximo da marca da
cal, o goleiro vem catimbar. Usa o sorriso irônico me perguntando se vou bater
no mesmo canto que da última vez. Ignoro, mais preocupado com a dor do meu
tornozelo. Ele aponta o canto direito e grita que vai pegar de novo. Aos
poucos, o som da arquibancada vai diminuindo e a vibração pela marcação do
pênalti vai dando lugar a apreensão. Se eu errar, estamos fora do campeonato.
Se eu errar, não haverá mais tempo pra buscar o resultado. Se eu errar, a
torcida não me perdoará, de novo. E entre todos esses anseios, tento ignorar
todo o tumulto e os jogadores do outro time gritando que vou errar, que sou
amarelão, que vou entregar.
Me abaixo e coloco a bola na
marca dos 11 metros. Dou uma ajeitada carinhosa nela, como se cochichasse ao
seu ouvido pedindo pra ela me obedecer e não me decepcionar, com a intimidade
de quem cresceu e a amou deste o primeiro instante. Mesmo a pelota parecendo
ter uma tonelada. Não olho pra trás, onde os outros jogadores se encontram
esperando um possível rebote. Apenas olho para o vazio da minha mente. Bato no
canto direito, onde ele está apontando? Solto toda a minha fúria com uma bomba
no meio do gol? Só sei que o tempo não passa enquanto esse juiz não apita...
Olho para arquibancada. Atrás do
gol, vejo a multidão de torcedores de mãos dadas, em posição de reza ou com os olhos
cobertos. E antes mesmo de correr em direção à bola, me transporto mentalmente
ao quintal de casa na minha infância quando meu cachorro era um goleiro feroz e
impiedoso. Aos duelos intermináveis de toda tarde após a escola no campinho de
chão batido com meus amigos. E a toda felicidade que sempre senti ao bater na
bola, ao dar um drible e ao fazer um gol. Me transporto a todo esse amor que
transformou minha vida e de quem me acompanhou até esse momento. Até esse
minuto. Até esse campo. Até esse pênalti.
O juiz apita. Sinto o silêncio do
estádio em minha alma. Mentalmente, digo “foda-se!!!” e imagino que o goleiro
irônico é meu cachorro. Bato de chapa, um pouco em baixo da bola, colocada,
dando uma curva sutil pra ela ganhar elevação e encontrar as redes. É no canto
direito que você quer goleirão? Que seja!!! Nesse momento, eu controlo meu
destino. Eu me preparei pra esse momento. Eu desejei esse momento. Eu nasci pra
esse momento. E por mais milagres que você tenha feito hoje, você não vai
alcançar essa!!! E vejo a bola, em sua graciosa viagem, escapar dos dedos do
goleiro e encontrar as redes... Gooooooooollll!!! Os brados ensurdecedores da
arquibancada ecoam infinitamente!!! Não sei pra onde correr!!! Apenas olho pra
arquibancada, enquanto meus companheiros me abraçam, gritam e pulam sobre mim. É
o nosso momento de glória!!! É a vitória de todos nós!!!
Cristian Ribas