domingo, 18 de novembro de 2018

A Primeira Palavra (Crônica)





               Confesso que ando muito desleixado com a escrita. As idéias passeiam pela minha cabeça, deixam sementes no coração, mas meus dedos operários estão em protesto sindical. Sempre encontram alguma distração, outro assunto de relevância ímpar, e todos os conceitos e teorias que me obsediam, acabam se perdendo.
               A minha concentração não anda das melhores. Seja pelo meu notebook sexagenário que, sempre que começo um texto, superaquece e desliga sozinho. O Grafite mordiscando o meu braço e me arranhando  pedindo carinho. Alguma notificação no meu celular que puxam meus olhos curiosos. Alguma piada sem graça que só eu consigo rir. Ou uma declaração de amor para minha namorada que não pode esperar o tempo passar. Sempre algum tipo de contratempo. Seja no trabalho e suas urgências, a barriga roncando ou as notícias do mundo e dos familiares. Neste exato momento, por exemplo, ouço um som reclamatório vindo  do estômago e o relógio passando desapercebido pelo meio dia.  E nessa brecha temporal, minha mente viajante começa a captar várias freqüências de assuntos, desejos e sentidos variados. E... onde eu estava mesmo?
               Ah... lembrei! Na minha procrastinação e falta de atenção. Como alguém que tem a fórmula da paz mundial e, do nada, repara que um clip metálico aberto parece um cockpit de Fórmula 1. E já lembra que se completaram 30 anos do primeiro título mundial de Ayrton Senna, 35 anos do bicampeonato de Nelson Piquet e que, também em 1983, o Grêmio foi campeão do mundo e eu dormi com dez minutos de jogo, só sabendo do resultado da partida quando fui numa fruteira e visualizei a capa do jornal Zero Hora com o título de capa: "A Terra é Azul".
               Aliás, como um bom dinossauro entre robôs, demoro um pouco pra tentar me adequar e utilizar as novas tecnologias. Como tenho uma característica extremamente saudável de falar sozinho, baixei um aplicativo que transforma a voz em texto. Pensei comigo que meu déficit de atenção e preguiça estariam resolvidos. Mas, após o segundo teste, quando percebi que, às vezes, o app entendia "filosofia" como "fiz a Sofia", "poesia" como "pó e azia" e "caramelo" como "carro belo", acabei abolindo esta possibilidade.
               Após um chamado de um colega, meu monitor com mau contato ter ficado rosa, algumas olhadas no celular, um gole de café frio, dois espirros e um ataque pela flanco guarda das minhas lombrigas, acho melhor parar por aqui esse texto. Mesmo com o gato da minha xícara me encarando, com os rabiscos da geografia explicada de Porto Alegre e o olhar que procura saber como está o clima lá fora. Aos poucos, vou vencendo a procrastinação. Afinal, como escreveu Lao-Tsé, "uma longa caminhada começa com o primeiro passo". Ou um texto sempre começa com a primeira palavra.

Cristian Ribas   

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