terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Un Recuerdo en Madero





  Ela estava só. Caminhava pelos Bosques de Palermo na companhia da brisa de outono, que trazia a despedida do verão e a introspecção do inverno. No seu espírito, buscava a liberdade, um aguardado encontro consigo mesma, sempre adiado pela inexorável rotina. Entre os pombos e suas sementes, os pássaros e seus cânticos harmônicos, observava cada detalhe com um olhar deslumbrante, vívido, reluzente. Apenas deixava seus pés lhe guiarem sem destino pela manhã pálida, onde as nuvens desenham de cinza o infinito. Nada comparado com o brilho intenso de seus olhos.
   Ao deslocar-se ao sul da cidade, deixou sua visão mergulhar nas águas turvas do Rio da Prata. O movimento no porto, o lento deslize dos navios, as ansiosas chegadas e as dolorosas partidas. Viu-se num tango imaginário, de melodia intensa, apaixonada e triste, onde os olhares se encontram e os corações se perdem. Onde os corpos se unem e o etéreo se funde. Onde a pele arrepia e o desejo ecoa. E o silêncio ensurdecedor de seu íntimo, deixa a saudade sólida no vazio de sua mão. 
   Para aquecer, sentou-se no Café San Juan. Segurou a xícara com as duas mãos para afastar o frio de fim de tarde e pediu um queso y dulce para acompanhar. Observava a parede com fotos de Gardel, os livros de Piglia, Borges e Cortázar na estante, e o poster do River Plate de 1986. Mas, seus olhos refletiam seu interior. Seu coração pulsava freneticamente a cada gole do líquido quente. E sua mente a transportava ao dia anterior da partida, das palavras não ditas, dos sentimentos submersos e do abraço que não queria que terminasse. Podia sentir seu cheiro amadeirado naquele restaurante, como uma essência vívida de sua presença. E no reflexo da vitrine, tinha nítida impressão de vê-lo entrando por aquela porta...

Cristian Ribas      

Nenhum comentário:

Postar um comentário