terça-feira, 19 de janeiro de 2016

QUANDO PARIS CHEGAR

         



   Gosto de me sentar aqui. Abrir os olhos em transe, derramar a água sobre o rosto, alcançar o primeiro casaco atirado sobre o sofá, enrolar um cachecol no pescoço e ir despertando a cada passo que a rua me reserva. Ser parte do cinza do céu nublado de janeiro e esconder as mãos no bolso pra não ser vitimado pelo frio.  Flutuo pela neblina com minha mente adormecida, onde formas, palavras e fórmulas não fazem muito sentido. Sou apenas um ser levitando enquanto seu Deus acorda com o pé esquerdo num universo perdido.
   Mesmo que o dia sem formalidade tenha começado, dou-me o direito de ignorá-lo enquanto meu percurso não se torna completo. Ao abrir a porta do café L'Atome, Antoine me recebe com seu "bonjour" carregado e a mesa das minhas teorias e histórias infinitas com o lugar reservado. Sento esperando meu expresso sem pressa, folheando desinteressadamente as páginas do Le Monde e ignorando com meu olhar blazé a importância da taxa de juros, um bombardeio na Síria ou a chegada de imigrantes. O que interessa aos meus olhos são os transeuntes na Rue Saint Saenz, os sons do Boulevard de Grenelle e a Torre Eiffel surgindo imponente, por detrás dos prédios, perfurando o céu na busca de um raio incandescente do sol esquecido.
   Sem me dar conta, o café fumegante desenha curvas no meu olhar embaçado. Seguro a xícara com as duas mãos sentindo o calor percorrer os dedos. Fecho os olhos deixando o olfato me guiar até as madeleines e elevar meu paladar. O biscoito lentamente dissolve-se na boca, espalhando seu sabor pelas mucosas e intensificando minha felicidade ao misturar-se ao gole de café, colocando todos os meus sentidos em alerta.
   Tentando disfarçar a ansiedade com discrição, retiro o relógio do bolso e observo a hora com frágil desinteresse. Ao ouvir a porta da cafeteria abrindo-se, tento conter o sorriso que desenha-se no canto dos lábios. Pelo espelho do fundo do bar, admiro a mulher que entra sempre todos os dias no mesmo horário. Com cabelos longos, negros como a noite infinita, seu sotaque italiano, meu coração pulsa em sincronia ao som de seus sapatos no solo. Sinto o seu perfume me alcançar, como um encanto abrupto que rapta todos os pensamentos. Ecoa na minha mente, tão somente, sua respiração. A forma como seu sorriso agradece o chá inglês servido por Antoine. Como cada gole desce purificando sua alma. E como seu olhar busca o mesmo horizonte que admiro pela vidraça.
    Mesmo em jejum, deixa suas moedas sobre a mesa e segue ao encontro do longo dia que a aguarda. E eu aqui, em minha silenciosa admiração, agradeço por vê-la e por deixar em mim a magia de seu encantamento.  Não imagina o bem que ela me faz. Ou sabe, e entre as agruras das obrigações, carrega consigo o amor. E assim como eu, segue seu destino, no anseio pelas vielas, praças e cânticos, e de quando Paris, com sua magia, chegará em nossos corações.

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